'Stalking horse' pode ser usado em leilão de bens de empresa em recuperação

A existência de proponente como stalking horse em um processo de alienação de bens não representa, por si só, qualquer irregularidade.

O entendimento é da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao validar o plano de recuperação judicial do Grupo Estre, que atua no setor de limpeza urbana, incluindo a venda de oito aterros sanitários, avaliados em R$ 600 milhões. A informação foi divulgada pelo jornal Valor Econômico.

O TJ-SP rejeitou recurso de um credor do Grupo Estre que também tinha interesse na compra dos aterros. Os ativos foram vendidos para um consórcio formado por uma empresa que também atua no setor e por uma gestora de investimentos. O credor alegou à Justiça que as vantagens oferecidas ao consórcio seriam "exageradas e desproporcionais".

O stalking horse não está previsto na legislação brasileira e permite a apresentação de uma oferta antes do bem ir à leilão. Segundo o relator, desembargador J.B. Franco de Godoi, no stalking horse, a recuperanda escolhe, entre vários possíveis compradores, quem fará a primeira oferta pelos seus ativos remanescentes.

Assim, o stalking horse vai determinar uma oferta base, para que os demais possíveis compradores não possam ofertar valores abaixo. Como uma boa oferta é interessante para a empresa que está negociando seus ativos, o comprador escolhido como referência, normalmente, recebe vários incentivos, como reembolso de despesas e taxas de rescisão.

"A estratégia de possuir um interessado com proposta vinculante, além de garantir a alienação do bem, permite que um preço-base, de interesse para a recuperanda e para coletividade dos credores, seja fixado, o que pode não ocorrer em praceamentos tradicionais", afirmou o relator.

Ainda que recente, Godoi disse que a modalidade já foi aplicada em outros casos de recuperação judicial de grandes empresas, como da Abengoa Concessões e da OAS, além da venda da Estante Virtual pelas Livrarias Cultura e na falência do Banco BVA.

No caso do Grupo Estre, o desembargador considerou que a oferta stalking horse atendeu ao princípio do soerguimento da recuperanda, "obstaculizando a realização de leilão com lances muito baixos". Ele não verificou excessivo privilégio no tratamento aos compradores que fizeram a oferta anterior ao leilão.

O credor que acionou o TJ-SP havia oferecido R$ 750 milhões pelos oito aterros sanitários. O consórcio, exercendo o direito de preferência do stalking horse, cobriu a oferta. Conforme Godoi, o stalking horse permite uma oferta igual ao lance de um terceiro interessado (right to match) ou até mesmo uma oferta superior (right to top).

"Trata-se de um importante incentivo para o stalking horse: caso um terceiro interessado apresente um lance mais elevado no certame, o stalking horse poderá assegurar a arrematação do ativo apresentando uma oferta igual ou superior, uma vez encerrado o procedimento competitivo de venda", diz o acórdão.

Além disso, o magistrado validou a fixação de break-up fees, uma multa compensatória a ser paga pelo devedor se o stalking horse não for o vencedor no procedimento competitivo, se o vendedor descumprir o contrato de stalking horse antes de fechar a operação, ou se a venda não se concretizar até uma data previamente ajustada.

"O objetivo dos break-up fees é compensar o stalking horse por todo o esforço realizado na avaliação dos ativos e na apresentação de uma oferta mínima, e que pode servir para despertar o interesse de outros investidores no ativo. Normalmente, essa espécie de multa pela rescisão do acordo gira em torno de 3% do preço de compra".

No plano do Grupo Estre, os break-up fees foram estipulados em 6,5% do valor do lance, o que, segundo o relator, não constitui, por si só, ilegalidade, sendo prerrogativa exclusiva da assembleia-geral de credores sua fixação no patamar apropriado ao fim que se destina.

"A possibilidade de um mais aprofundado due dilligence pelo primeiro comprador é uma das vantagens deste procedimento para atrair um maior número de interessados ao certame, que através do preço mínimo estabelecido pelo stalking horse, podem precificar o risco envolvido na aquisição da unidade produtora isolada, sem dispensar custos operacionais para a realização de uma auditoria de cognição profunda nos dados da empresa", completou. A decisão foi unânime.

"A decisão é muito relevante, pois gera segurança às alienações em recuperações judiciais e à utilização da figura do stalking horse. Embora já tenha sido utilizada em outros casos, desta vez o TJ-SP não apenas reconheceu a sua legalidade, como descreveu com precisão os seus limites. Houve também reconhecimento da possibilidade de conferir ao stalking horse benefícios para liderar as propostas de compra de ativos — no caso, o stalking horse poderia cobrir a oferta e, se não fosse o vencedor do processo competitivo, receberia um break up do comprador", comentou o advogado Mauro Faria, sócio do escritório Galdino & Coelho Advogados, que atuou na causa.

Processo: 2230472-34.2021.8.26.0000

Por Tábata Viapiana 

FONTE: https://www.conjur.com.br/2022-ago-30/stalking-horse-usado-leilao-bens-recuperanda 

 

Quarta Turma restabelece liminar para que associações civis prossigam na recuperação judicial

Ao dar parcial provimento a recurso interposto pelo Grupo Educação Metodista, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, permitiu o prosseguimento provisório de sua recuperação judicial, revogando decisão monocrática que impedia o procedimento.

O colegiado, em juízo preliminar no âmbito de tutela provisória, considerou que as associações civis sem fins lucrativos, mas com finalidade econômica – como as que integram o grupo –, podem apresentar pedido de recuperação.

Formado pelo Centro de Ensino Superior de Porto Alegre (Cesupa) e por outras 15 unidades educacionais, o grupo teve o pedido de recuperação judicial deferido em primeiro grau, com a suspensão de todas as execuções movidas contra seus integrantes.

Porém, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) revogou o deferimento, sob o fundamento de que a recuperação não se aplica a associações civis. Contra essa decisão, o Metodista interpôs recurso especial, cujo efeito suspensivo foi deferido ainda no tribunal de origem, a fim de que a recuperação prosseguisse até o julgamento do recurso pelo STJ.

Um banco credor do grupo educacional entrou com pedido de contracautela para cassar o efeito suspensivo e impedir o andamento da recuperação, o qual foi, inicialmente, deferido na corte superior.

Tema controverso indica a plausibilidade do direito

No agravo submetido à Quarta Turma, ao requerer o restabelecimento do efeito suspensivo, o Grupo Metodista sustentou que a paralisação da recuperação judicial causará sua falência, prejudicando 2,7 mil funcionários, 18 mil alunos e, indiretamente, mais de 100 mil pessoas. Também alegou que somente por meio da recuperação, que estaria em estágio avançado, poderia vender ativos e renegociar as dívidas, inclusive com o fisco.

O ministro Luis Felipe Salomão, cujo voto prevaleceu no julgamento, observou que a possibilidade de associações civis pedirem recuperação judicial será avaliada com profundidade na análise do recurso especial interposto pelo grupo educacional.

Ele comentou que esse tema divide o entendimento da doutrina e da jurisprudência, o que basta para demonstrar a plausibilidade do direito alegado pelo Metodista, ou seja, a probabilidade de provimento do seu recurso especial – um dos requisitos para a liminar que concede efeito suspensivo.

Segundo o magistrado, apesar de não se enquadrarem no conceito de sociedade empresária do artigo 1° da Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação e Falência), as associações civis também não estão inseridas no rol dos agentes econômicos excluídos da recuperação judicial (artigo 2º).

"Em diversas circunstâncias, as associações civis sem fins lucrativos acabam se estruturando como verdadeiras empresas, do ponto de vista econômico. Apesar de não distribuírem o lucro entre os sócios, exercem atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços", apontou.

Presença de risco de grave lesão

Salomão ressaltou que as determinações judiciais devem considerar as suas consequências práticas, como estabelecido no artigo 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Para ele, no caso analisado, "o risco de lesão grave e de difícil reparação também se encontra patente", conforme a descrição da situação emergencial apresentada pelo administrador judicial – preenchendo-se, assim, o outro requisito do efeito suspensivo.

Foi apontado que a suspensão do processo de recuperação inviabilizou o pagamento de salários e planos de saúde dos colaboradores, bem como levou ao fechamento de alguns colégios em diferentes regiões do país – o que denota a relevância da questão no âmbito social.

No entanto, ao permitir o processamento da recuperação judicial, a Quarta Turma negou o pedido do grupo Metodista para que fossem suspensas as travas bancárias – garantias oferecidas na tomada de crédito –, pois a jurisprudência do STJ considera que os direitos creditórios utilizados pela instituição financeira para a amortização do saldo devedor da operação garantida não se submetem à recuperação.

 
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):TP 3654
 
 
 

Entre salários e dívidas: questões sobre a (im)penhorabilidade da remuneração

 

Nos termos do artigo 833 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, a regra geral da impenhorabilidade de salários pode ser excepcionada quando for para o pagamento de prestação alimentícia, de qualquer origem, independentemente do valor da verba remuneratória; e para o pagamento de qualquer outra dívida não alimentar, quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais.

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, o legislador, com o objetivo de preservar o patrimônio mínimo indispensável à sobrevivência digna do executado, limitou a tutela executiva ao garantir a impenhorabilidade da renda de natureza alimentar. Ao mesmo tempo, previu, na própria norma, exceções autorizadoras da penhora, "que refletem a não menos relevante preocupação com a dignidade da pessoa do exequente quando o crédito pleiteado envolve seu próprio sustento e o de sua família".

O magistrado observou que a maioria dos países civilizados estabelece que os salários de alto valor podem ser parcialmente penhorados sem sacrifício de digna subsistência do devedor. "Nesse passo, vem o STJ tentando estabelecer um norte a guiar as mais diversas situações em que se deva autorizar, de forma excepcional, a penhora dos vencimentos (ou verba equivalente) do devedor", ressaltou.

 

Flexibilizaç​​ão

Salomão lembrou que o tribunal – em casos envolvendo o CPC de 1973, que estabelecia exceção à regra apenas nos casos de pagamento de prestação alimentícia – se posicionou no sentido de que as sobras salariais podem ser objeto de constrição (EREsp 1.330.567), bem como admitiu a flexibilização quando a verba remuneratória (em sentido amplo) alcançasse montante considerável (REsp 1.514.931).

De acordo com o magistrado, a jurisprudência do STJ sempre foi firme no entendimento de que a impenhorabilidade de tais rubricas salariais só cederia espaço para situações que envolvessem crédito de natureza alimentar. No entanto, observou que, por construção jurisprudencial, as turmas integrantes da Segunda Seção também estenderam a flexibilização a situações em que haja expressa autorização de desconto, pelo devedor, de empréstimos consignados.

"Destaca-se, nessa hipótese, que não se trata efetivamente de uma exceção à impenhorabilidade, já que, em verdade, penhora não há; ocorre, sim, uma disponibilização voluntária, pelo devedor, de parte de seus vencimentos, tendo ele renunciado espontaneamente à proteção preconizada", afirmou.

Manutenção da dignid​​ade

Em outubro de 2018, a Corte Especial, no julgamento do EREsp 1.582.475, reconheceu divergência entre as turmas integrantes da Primeira Seção – que só admitiam a penhora das verbas previstas no artigo 649, IV, do CPC/1973 nos casos de crédito de natureza alimentar – e as turmas integrantes da Segunda Seção – que, num viés mais abrangente, permitiram a penhora em casos de empréstimo consignado e em situações nas quais a constrição parcial não acarretasse prejuízo à dignidade e à subsistência do devedor e de sua família.

Naquela oportunidade, o colegiado definiu que a regra legal comporta, para além da exceção explícita, a possibilidade de reconhecimento de outras exceções à impenhorabilidade da verba remuneratória.

De acordo com o voto do relator, ministro Benedito Gonçalves, a interpretação mais adequada ao texto legal é a que admite a flexibilização da impenhorabilidade quando a constrição dos vencimentos do devedor não atingir a dignidade ou a subsistência dele e de sua família.

Despe​​​sas de aluguel

Com base no precedente da Corte Especial, a Quarta Turma autorizou a penhora de 15% da remuneração bruta de um devedor que, além de ter renda considerada alta, contraiu dívida em locação de imóvel residencial (AREsp 1.336.881).

Para o relator, ministro Raul Araújo, além de a penhora nesse percentual não comprometer a subsistência do devedor, não seria adequado manter a impenhorabilidade no caso de créditos provenientes de aluguel para moradia, que compõe o orçamento de qualquer família.

"Descabe, então, que se mantenha imune à penhora para satisfação de créditos provenientes de despesa de aluguel com moradia, sob o pálio da regra da impenhorabilidade da remuneração, a pessoa física que reside ou residiu em imóvel locado, pois a satisfação de créditos de tal natureza compõe o orçamento familiar normal de qualquer cidadão" – concluiu o ministro, para quem não é justo que a dívida seja suportada unicamente pelo credor dos aluguéis.

Mínimo existe​​ncial

Seguindo essa mesma orientação, em 2019, a Quarta Turma, em processo sob a relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que o benefício previdenciário do auxílio-doença é impenhorável para pagamento de crédito constituído em favor de pessoa jurídica, quando se verifica que a penhora violaria o mínimo existencial e a dignidade do devedor (REsp 1.407.062).

O colegiado deu provimento ao recurso de um devedor que, em ação de execução, teve 30% do seu auxílio-doença penhorado para quitar dívida com uma fornecedora de bebidas.

Apesar de verificar que o acórdão recorrido – que permitiu a penhora do benefício do devedor – estava em conformidade com o entendimento da Corte Especial, o relator afirmou que não se poderia conferir interpretação tão ampla ao julgado, a ponto de afastar qualquer diferença, para fins de exceção à impenhorabilidade, entre as verbas de natureza alimentar e aquelas que não possuem tal caráter.

"Caso se leve em conta apenas o critério da preservação de percentual de verba remuneratória capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família, estar-se-á, em verdade, deixando de lado o regramento expresso do Código de Processo Civil e sua ratio legis, que estabelecem evidente diferença entre as verbas, sem que tenha havido para tanto a revogação do dispositivo de lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade", declarou.

Em relação ao recorrente, o ministro avaliou que, por se tratar de pessoa doente, a penhora sobre qualquer percentual dos seus rendimentos – no valor de R$ 927,46 – comprometeria sua subsistência e a de sua família, dificultando o acesso a itens de primeira necessidade.

Honorários advoc​​atícios

Em agosto de 2020, a Corte Especial estabeleceu importante precedente ao concluir que os honorários advocatícios não são equiparados às prestações alimentícias para efeito de incidência da exceção à impenhorabilidade prevista no parágrafo 2º do artigo 833 do CPC/2015 (REsp 1.815.055).

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que as verbas remuneratórias, ainda que sejam destinadas à subsistência do credor, não são equivalentes aos alimentos de que trata o Código Civil, isto é, àqueles oriundos de relações familiares ou de responsabilidade civil, fixados por sentença ou título executivo extrajudicial.

Segundo a magistrada, uma verba tem natureza alimentar quando é destinada à subsistência do credor e de sua família, mas apenas se constitui em prestação alimentícia se é devida por quem tem a obrigação de prestar alimentos familiares, indenizatórios ou voluntários em favor de uma pessoa que deles depende para sobreviver.

A ministra esclareceu que as exceções destinadas à execução de prestação alimentícia, como a possibilidade de penhora dos bens descritos no artigo 833, IV e X, do CPC/2015, e do bem de família (artigo 3º, III, da Lei 8.009/1990), assim como a prisão civil, não se estendem aos honorários advocatícios, "como não se estendem às demais verbas de natureza alimentar, sob pena de eventualmente termos de cogitar sua aplicação a todos os honorários devidos a quaisquer profissionais liberais, como médicos, engenheiros, farmacêuticos e todas as outras categorias".

Contudo, no caso em análise, por verificar que a penhora do salário do devedor para o pagamento dos honorários devidos não comprometeria a sua subsistência digna nem a da sua família, a relatora admitiu a constrição de parte da remuneração.

CDR e crédito ​​​trabalhista

Ainda em 2019, a Quarta Turma estabeleceu que os bens dados em garantia cedular rural, vinculados à Cédula de Produto Rural (CPR), são impenhoráveis em virtude da Lei 8.929/1994, não podendo ser usados para satisfazer crédito trabalhista (REsp 1.327.643).

A turma reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual entendeu que a impenhorabilidade de bens empenhados em CPR por uma cooperativa seria relativa, não prevalecendo diante da preferência do crédito trabalhista.

Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, a instituição dos títulos de financiamento rural pelo Decreto-Lei 167/1967 reformou a política agrícola do Brasil, conduzindo-a ao financiamento privado. Essa orientação, explicou, ganhou mais força com a CPR, estabelecida na Lei 8.929/1994.

"Tendo em vista sua função social e visando garantir eficiência e eficácia à CPR, o artigo 18 da Lei 8.929/1994 prevê que os bens vinculados à CPR não serão penhorados ou sequestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador da garantia real, cabendo a estes comunicar tal vinculação a quem de direito", destacou.

Com apoio na jurisprudência e na doutrina, o ministro afirmou que "não se sustenta a afirmação de que a impenhorabilidade dos bens dados em garantia cedular seria voluntária, e não legal, por envolver ato pessoal de constituição do ônus por parte do garante, ao oferecer os bens ao credor. A parte voluntária do ato é a constituição da garantia real, que, por si só, não tem o condão de gerar a impenhorabilidade. Esta, indubitavelmente, decorre da lei, e só dela".

Poder de cau​​tela

Com base no poder geral de cautela, em outubro de 2018, a Terceira Turma considerou válida a penhora decidida pelo juízo da execução cível nos autos de execução trabalhista, após o falecimento do devedor cível, que figurava como credor na Justiça do Trabalho (REsp 1.678.209).

No caso, o juízo da execução cível entendeu que, após a morte do devedor, a verba trabalhista a que teria direito perdeu seu caráter alimentar, e poderia, assim, haver penhora dos créditos nos autos da execução trabalhista. No entanto, os herdeiros recorreram ao STJ, argumentando que tal penhora não seria possível, pois a verba ainda estaria protegida pela impenhorabilidade legal.

Para o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a decisão judicial não contrariou a regra do CPC, uma vez que a penhora foi decidida com a finalidade de assegurar as deliberações do juízo do inventário, competente para a ponderação sobre quem deveria receber os créditos bloqueados na execução trabalhista.

"Embora não concorde com a perda do caráter alimentar das verbas trabalhistas em razão da morte do reclamante, tenho por possível a reserva dos valores lá constantes para satisfação do juízo do inventário dos bens do falecido, tudo com base no poder geral de cautela do juiz", afirmou.

O magistrado ponderou ainda que o juízo do inventário seria competente para analisar a qualidade do crédito e sua eventual impenhorabilidade, sobretudo pelo fato de o falecido ter deixado um filho menor, presumidamente dependente da verba alimentar que seria herdada do pai.​​

 
 

 

STJ definirá termo inicial de juros e correção em multa civil por improbidade

 

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu afetar os Recursos Especiais 1.942.196, 1.953.046 e 1.958.567, de relatoria do ministro Og Fernandes, para julgamento sob o rito dos repetitivos.

A questão submetida a julgamento, cadastrada como Tema 1.128 na base de dados do tribunal, está assim ementada: "Definir o termo inicial dos juros e da correção monetária da multa civil prevista na Lei de Improbidade Administrativa, isto é, se devem ser contados a partir do trânsito em julgado, da data do evento danoso, nos termos das Súmulas 43 e 54/STJ, ou de outro marco processual".

O colegiado determinou a suspensão do processamento dos recursos especiais e agravos em recurso especial interpostos nos tribunais de segunda instância ou em tramitação no STJ, devendo, no último caso, ser devolvidos ao tribunal de origem, para nele permanecerem suspensos (artigo 256-L do RISTJ).

Celeridade nos feitos que tratam de improbidade
Ao propor a afetação do REsp 1.942.196, oriundo do Tribunal de Justiça do Paraná, o relator destacou que o Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e Ações Coletivas do STJ, ao confirmar o caráter multitudinário do tema, informou a existência de aproximadamente 125 decisões monocráticas e dez acórdãos sobre a controvérsia, proferidos por ministros da 1ª e da 2ª Turmas.

Registrou ainda que a edição da Lei 14.230/2021, que trouxe profundas alterações na Lei de Improbidade Administrativa, não interfere na afetação do tema nem altera o desfecho da controvérsia, visto que não houve nenhuma modificação relacionada ao ponto em discussão.

Quanto ao fato de não ser suspensa a tramitação das ações em outras fases processuais, Og Fernandes explicou que "se trata de tema ligado a condenações por improbidade administrativa, em que se sobreleva a necessidade de celeridade no deslinde do feito".

Além disso, ele ponderou que o STJ já tem precedentes que fornecem uma diretriz segura aos juízes e demais tribunais a respeito da temática objeto da afetação. Como exemplos, citou as decisões da 1ª Turma no REsp 1.901.336 e da 2ª Turma no REsp 1.645.642.

Ambos os colegiados entenderam que o termo inicial da correção monetária e dos juros moratórios da multa civil imposta em ação de improbidade é a data do evento danoso, entendido como a prática do ato ímprobo, visto que as sanções e o ressarcimento do dano, previstos na Lei de Improbidade Administrativa, inserem-se no contexto da responsabilidade civil extracontratual por ato ilícito, autorizando a aplicação das Súmulas 43 e 54 do STJ. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

 

FONTE: CONJUR - https://www.conjur.com.br/2022-mar-08/stj-definira-termo-inicial-correcao-multa-civil-improbidade 

Entre salários e dívidas: questões sobre a (im)penhorabilidade da remuneração (2)

 

Nos termos do artigo 833 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, a regra geral da impenhorabilidade de salários pode ser excepcionada quando for para o pagamento de prestação alimentícia, de qualquer origem, independentemente do valor da verba remuneratória; e para o pagamento de qualquer outra dívida não alimentar, quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais.

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, o legislador, com o objetivo de preservar o patrimônio mínimo indispensável à sobrevivência digna do executado, limitou a tutela executiva ao garantir a impenhorabilidade da renda de natureza alimentar. Ao mesmo tempo, previu, na própria norma, exceções autorizadoras da penhora, "que refletem a não menos relevante preocupação com a dignidade da pessoa do exequente quando o crédito pleiteado envolve seu próprio sustento e o de sua família".

O magistrado observou que a maioria dos países civilizados estabelece que os salários de alto valor podem ser parcialmente penhorados sem sacrifício de digna subsistência do devedor. "Nesse passo, vem o STJ tentando estabelecer um norte a guiar as mais diversas situações em que se deva autorizar, de forma excepcional, a penhora dos vencimentos (ou verba equivalente) do devedor", ressaltou.

 

Flexibilizaç​​ão

Salomão lembrou que o tribunal – em casos envolvendo o CPC de 1973, que estabelecia exceção à regra apenas nos casos de pagamento de prestação alimentícia – se posicionou no sentido de que as sobras salariais podem ser objeto de constrição (EREsp 1.330.567), bem como admitiu a flexibilização quando a verba remuneratória (em sentido amplo) alcançasse montante considerável (REsp 1.514.931).

De acordo com o magistrado, a jurisprudência do STJ sempre foi firme no entendimento de que a impenhorabilidade de tais rubricas salariais só cederia espaço para situações que envolvessem crédito de natureza alimentar. No entanto, observou que, por construção jurisprudencial, as turmas integrantes da Segunda Seção também estenderam a flexibilização a situações em que haja expressa autorização de desconto, pelo devedor, de empréstimos consignados.

"Destaca-se, nessa hipótese, que não se trata efetivamente de uma exceção à impenhorabilidade, já que, em verdade, penhora não há; ocorre, sim, uma disponibilização voluntária, pelo devedor, de parte de seus vencimentos, tendo ele renunciado espontaneamente à proteção preconizada", afirmou.

Manutenção da dignid​​ade

Em outubro de 2018, a Corte Especial, no julgamento do EREsp 1.582.475, reconheceu divergência entre as turmas integrantes da Primeira Seção – que só admitiam a penhora das verbas previstas no artigo 649, IV, do CPC/1973 nos casos de crédito de natureza alimentar – e as turmas integrantes da Segunda Seção – que, num viés mais abrangente, permitiram a penhora em casos de empréstimo consignado e em situações nas quais a constrição parcial não acarretasse prejuízo à dignidade e à subsistência do devedor e de sua família.

Naquela oportunidade, o colegiado definiu que a regra legal comporta, para além da exceção explícita, a possibilidade de reconhecimento de outras exceções à impenhorabilidade da verba remuneratória.

De acordo com o voto do relator, ministro Benedito Gonçalves, a interpretação mais adequada ao texto legal é a que admite a flexibilização da impenhorabilidade quando a constrição dos vencimentos do devedor não atingir a dignidade ou a subsistência dele e de sua família.

Despe​​​sas de aluguel

Com base no precedente da Corte Especial, a Quarta Turma autorizou a penhora de 15% da remuneração bruta de um devedor que, além de ter renda considerada alta, contraiu dívida em locação de imóvel residencial (AREsp 1.336.881).

Para o relator, ministro Raul Araújo, além de a penhora nesse percentual não comprometer a subsistência do devedor, não seria adequado manter a impenhorabilidade no caso de créditos provenientes de aluguel para moradia, que compõe o orçamento de qualquer família.

"Descabe, então, que se mantenha imune à penhora para satisfação de créditos provenientes de despesa de aluguel com moradia, sob o pálio da regra da impenhorabilidade da remuneração, a pessoa física que reside ou residiu em imóvel locado, pois a satisfação de créditos de tal natureza compõe o orçamento familiar normal de qualquer cidadão" – concluiu o ministro, para quem não é justo que a dívida seja suportada unicamente pelo credor dos aluguéis.

Mínimo existe​​ncial

Seguindo essa mesma orientação, em 2019, a Quarta Turma, em processo sob a relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que o benefício previdenciário do auxílio-doença é impenhorável para pagamento de crédito constituído em favor de pessoa jurídica, quando se verifica que a penhora violaria o mínimo existencial e a dignidade do devedor (REsp 1.407.062).

O colegiado deu provimento ao recurso de um devedor que, em ação de execução, teve 30% do seu auxílio-doença penhorado para quitar dívida com uma fornecedora de bebidas.

Apesar de verificar que o acórdão recorrido – que permitiu a penhora do benefício do devedor – estava em conformidade com o entendimento da Corte Especial, o relator afirmou que não se poderia conferir interpretação tão ampla ao julgado, a ponto de afastar qualquer diferença, para fins de exceção à impenhorabilidade, entre as verbas de natureza alimentar e aquelas que não possuem tal caráter.

"Caso se leve em conta apenas o critério da preservação de percentual de verba remuneratória capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família, estar-se-á, em verdade, deixando de lado o regramento expresso do Código de Processo Civil e sua ratio legis, que estabelecem evidente diferença entre as verbas, sem que tenha havido para tanto a revogação do dispositivo de lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade", declarou.

Em relação ao recorrente, o ministro avaliou que, por se tratar de pessoa doente, a penhora sobre qualquer percentual dos seus rendimentos – no valor de R$ 927,46 – comprometeria sua subsistência e a de sua família, dificultando o acesso a itens de primeira necessidade.

Honorários advoc​​atícios

Em agosto de 2020, a Corte Especial estabeleceu importante precedente ao concluir que os honorários advocatícios não são equiparados às prestações alimentícias para efeito de incidência da exceção à impenhorabilidade prevista no parágrafo 2º do artigo 833 do CPC/2015 (REsp 1.815.055).

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que as verbas remuneratórias, ainda que sejam destinadas à subsistência do credor, não são equivalentes aos alimentos de que trata o Código Civil, isto é, àqueles oriundos de relações familiares ou de responsabilidade civil, fixados por sentença ou título executivo extrajudicial.

Segundo a magistrada, uma verba tem natureza alimentar quando é destinada à subsistência do credor e de sua família, mas apenas se constitui em prestação alimentícia se é devida por quem tem a obrigação de prestar alimentos familiares, indenizatórios ou voluntários em favor de uma pessoa que deles depende para sobreviver.

A ministra esclareceu que as exceções destinadas à execução de prestação alimentícia, como a possibilidade de penhora dos bens descritos no artigo 833, IV e X, do CPC/2015, e do bem de família (artigo 3º, III, da Lei 8.009/1990), assim como a prisão civil, não se estendem aos honorários advocatícios, "como não se estendem às demais verbas de natureza alimentar, sob pena de eventualmente termos de cogitar sua aplicação a todos os honorários devidos a quaisquer profissionais liberais, como médicos, engenheiros, farmacêuticos e todas as outras categorias".

Contudo, no caso em análise, por verificar que a penhora do salário do devedor para o pagamento dos honorários devidos não comprometeria a sua subsistência digna nem a da sua família, a relatora admitiu a constrição de parte da remuneração.

CDR e crédito ​​​trabalhista

Ainda em 2019, a Quarta Turma estabeleceu que os bens dados em garantia cedular rural, vinculados à Cédula de Produto Rural (CPR), são impenhoráveis em virtude da Lei 8.929/1994, não podendo ser usados para satisfazer crédito trabalhista (REsp 1.327.643).

A turma reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual entendeu que a impenhorabilidade de bens empenhados em CPR por uma cooperativa seria relativa, não prevalecendo diante da preferência do crédito trabalhista.

Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, a instituição dos títulos de financiamento rural pelo Decreto-Lei 167/1967 reformou a política agrícola do Brasil, conduzindo-a ao financiamento privado. Essa orientação, explicou, ganhou mais força com a CPR, estabelecida na Lei 8.929/1994.

"Tendo em vista sua função social e visando garantir eficiência e eficácia à CPR, o artigo 18 da Lei 8.929/1994 prevê que os bens vinculados à CPR não serão penhorados ou sequestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador da garantia real, cabendo a estes comunicar tal vinculação a quem de direito", destacou.

Com apoio na jurisprudência e na doutrina, o ministro afirmou que "não se sustenta a afirmação de que a impenhorabilidade dos bens dados em garantia cedular seria voluntária, e não legal, por envolver ato pessoal de constituição do ônus por parte do garante, ao oferecer os bens ao credor. A parte voluntária do ato é a constituição da garantia real, que, por si só, não tem o condão de gerar a impenhorabilidade. Esta, indubitavelmente, decorre da lei, e só dela".

Poder de cau​​tela

Com base no poder geral de cautela, em outubro de 2018, a Terceira Turma considerou válida a penhora decidida pelo juízo da execução cível nos autos de execução trabalhista, após o falecimento do devedor cível, que figurava como credor na Justiça do Trabalho (REsp 1.678.209).

No caso, o juízo da execução cível entendeu que, após a morte do devedor, a verba trabalhista a que teria direito perdeu seu caráter alimentar, e poderia, assim, haver penhora dos créditos nos autos da execução trabalhista. No entanto, os herdeiros recorreram ao STJ, argumentando que tal penhora não seria possível, pois a verba ainda estaria protegida pela impenhorabilidade legal.

Para o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a decisão judicial não contrariou a regra do CPC, uma vez que a penhora foi decidida com a finalidade de assegurar as deliberações do juízo do inventário, competente para a ponderação sobre quem deveria receber os créditos bloqueados na execução trabalhista.

"Embora não concorde com a perda do caráter alimentar das verbas trabalhistas em razão da morte do reclamante, tenho por possível a reserva dos valores lá constantes para satisfação do juízo do inventário dos bens do falecido, tudo com base no poder geral de cautela do juiz", afirmou.

O magistrado ponderou ainda que o juízo do inventário seria competente para analisar a qualidade do crédito e sua eventual impenhorabilidade, sobretudo pelo fato de o falecido ter deixado um filho menor, presumidamente dependente da verba alimentar que seria herdada do pai.​​